sábado, 24 de novembro de 2012

O Eixo [Parte 02] - Os Aspectos Culturais






Futebol é uma paixão nacional. Acho que ninguém aqui duvida disso. É claro que existem pessoas que não gostam do esporte, mas é parte do cotidiano do brasileiro as conversas de botecos sobre a rodada anterior do Campeonato Brasileiro. E um fator que tempera essas discussões é a rivalidade. Ela é ferrenha aqui no país, caso de briga e morte as vezes, mostrando que a gente realmente não tem lá muito controle de nossas paixões. Freud já dizia que os mecanismos de recalque e repressão são consideravelmente reduzidos nos fenômenos de grupo e sabemos que, no caso do futebol, isso é especialmente verdade quando pensamos nas torcidas organizadas, por exemplo.

E aí é que entra a minha maior ressalva em relação ao esporte: torcedores de futebol são quase que essencialmente preconceituosos. Parece que qualquer coisa vale no esforço de provocar o rival, e todos acreditam que possuem uma espécie de carta branca para falar quaisquer tipo de asneiras quando estão em uma discussão com um rival, ou pretendem provocá-lo.  Isso dentro e fora de campo. Tivemos, é claro, uma longa e intensa campanha para tentar banir o racismo do futebol, que continua ainda muito presente, sobretudo na Europa. Mas, ao mesmo tempo, a maior parte da torcida brasileira condena esse tipo de atitude, sobretudo tendo em vista que racismo é um crime previsto por lei. Incrível como as pessoas só realmente encaram um ato como condenável uma vez que a lei o recrimina. É como se a moral fosse ditada pela lei, e não o contrário. Digo isso porque esse é o maior argumento usado pelos torcedores quando eu questiono a forte homofobia presente dentre as torcidas de futebol. Não existe uma única que salve nesse quesito.

Em 2009, quando Cruzeiro e Grêmio se enfrentaram pelas semi-finais da Libertadores, Elicarlos acusou o atacante argentino Maxi Lópes de racismo. Duas coisas me assustaram bastante na ocasião: a resposta das duas torcidas. Destaco aqui que eu acompanhei a repercussão pela maior comunidade dos dois times no Orkut, e deixo claro que eu sei que esse não é o pensamento de toda a torcida dos dois times. Mas o que aconteceu é que eu vi a maior parte da torcida gremista apoiando o argentino, fazendo declarações racistas das mais graves. A torcida do Cruzeiro se enfureceu com a  atitude do argentino e, ainda mais, com o apoio da torcida gremista. E a resposta, por mais assustador que seja, foi também o preconceito. Só que, no caso, a homofobia. O problema é que não foi assustador pra ninguém, só pra mim. Quando fui pontuar isso, que não fazia sentido responder a violência verbal com violência verbal fui execrado no forum. E o argumento mais comum: homofobia não é crime! Fiquei chocado quando percebi que não tinham meios para apelar à razão, pois na mentalidade de todos ali homofobia era uma coisa aceitável e até mesmo encorajado no meio futebolístico. Pergunto aqui: que torcedor aceitaria ter um jogador gay em seu time?


                                     Em 2009, Elicarlos acusou Maxi Lopes de racismo na Libertadores


Todas as torcidas tratam as rivais por apelidos homofóbicos. Cruzeirenses são marias, Atleticanos são frangas, São Paulinos são bambis e por aí vai. Obviamente, é algo que tempera a rivalidade, já que ser tratado pelo gênero feminino é a maior ofensa possível para o torcedor de futebol comum. Mas deveria? Outro dia eu, como cruzeirense que sou fiquei refletindo sobre a razão de ser incomodado de ser chamado de Maria. Será que por me sentir ofendido o sexista da situação era eu? A resposta é... sim! Não deveria me envergonhar de ser chamado assim. Maria é o nome de minha mãe, da minha avó e até mesmo da minha chefe! É um nome de grande importância bíblica, e em um país majoritariamente católico ser chamado assim deveria ser uma honra e não um desaforo. Obviamente que continuarei me incomodando, mesmo porque eu sei que não estou sendo celebrado quando me chamam assim. Mas qual é, de verdade, o problema de ser tratado pelo gênero feminino e porque insistimos nisso? Ora, o motivo é óbvio: mulher não gosta de futebol. O esporte é jogo pra macho. Lembro das peladas (oh, wait!) que jogávamos quando eu era moleque. Quando um cara reclamava de uma falta mais dura já vinha um dizer: "Futebol é jogo pra homem, não aguenta vai brincar de boneca!". Realmente a prática do esporte é mais comum dentre pessoas do sexo masculino. Mas e quanto a torcida? A torcida de uma mulher vale menos do que a torcida de um homem? Quando você aponta no dedo de seu rival e chama ele de Maria você está afirmando isso!

Recentemente uma grande comoção foi criada na Alemanha quando um jogador confessou, de forma anônima, que era gay. Ele foi encorajado pela, pasmem, chanceler alemã a se revelar, que afirmou que o jogador "vive num país em que não tem motivos para recear um `outing", e nós só podemos dizer-lhe que não precisa de ter medo". Recebeu apoio, ainda, do presidente do Bayern de Munique, principal time do pais. Ainda assim, preferiu não se revelar por medo de represálias.

Mais grave ainda é a história do inglês Justin Fashanu, que jogou em times como Norwich City, Nottingham Forest e Manchester City. Ele é o único jogador internacionalmente conhecido por ter assumido ser homossexual durante a carreira profissional e o resultado não foi anda encorajador. Ele sofreu tantas ofensas vindas da arquibancada que acabou cometendo suicídio em 1998, aos 37 anos.

Sua carta de suicídio dizia:

"Me dei conta de que eu havia sido condenado. Não quero mais ser uma vergonha para meus amigos e minha família. (...) Espero que Jesus me dê boas vindas e que eu finalmente encontre a paz."



Esse é um tema que me interessa bastante. Desde 2009 que decidi, nesse episódio do Elicarlos e com a resposta homofóbica da torcida de meu time, ser mais incisivo nas discussões sobre futebol quando declarações homofóbicas aparecessem. Muitas vezes fui tachado de chato, politicamente correto e outras coisas piores por conta disso, mas é uma espécie de missão pessoal que quem já discutiu futebol comigo deve saber que possuo. Exatamente por isso eu devo voltar a esse tópico novamente, em u futuro próximo. Pensar fora do eixo é ser crítico com as posturas preconceituosas da grande maioria dos torcedores de futebol. Estar fora do eixo é abrir mão de continuar repetindo os comportamento cruéis e irrefletidos encorajados pela mídia e elite brasileira. Derrubar o eixo, algum dia, só será possível se pararmos de emitir respostas tão primitivas quando nossas paixões estão envolvidas. Torcer não exige que você deixe seu cérebro de lado, que pare de pensar e que dê vazão ao ódio e preconceito reprimido. Unir-se em grupos enormes e permitir o ódio ao diferente aflorar já aconteceu em outros contextos, e os resultados nunca foram dos melhores.

Fontes:
http://esporte.uol.com.br/futebol/campeonatos/libertadores/ultimas-noticias/2009/06/25/ult7249u369.jhtm
http://www.ojogo.pt/Futebol/interior.aspx?content_id=2768436
http://esporte.uol.com.br/ultimas-noticias/reuters/2011/08/29/jogadores-gays-nao-deveriam-se-revelar-diz-capitao-alemao-lahm.jhtm